Adiamento do conclave é estratégia para construção de consenso

O anúncio feito nesta segunda-feira (28) de que o conclave terá início apenas em 7 de maio causou surpresa. A expectativa era que começasse já no dia 5. Não se trata de um intervalo protocolar. A decisão carrega um cálculo: ganhar tempo para costurar acordos, ouvir os indecisos, evitar impasses.

Essa é a primeira grande evidência de que o Colégio de Cardeais procura, desde já, construir um mínimo denominador comum. Diante de um cenário de fragmentação, adiar é, paradoxalmente, acelerar a possibilidade de consenso.

Nos bastidores, o adiamento revela uma aposta clara: evitar um conclave prolongado e de desfecho incerto. Não pesa apenas a lembrança da rapidez dos últimos dois conclaves, encerrados em menos de 48 horas. Há também o receio de que uma divisão explícita entre os cardeais exponha fragilidades institucionais e comprometa o já difícil equilíbrio entre a continuidade pastoral e a necessidade de reconciliação interna.

Este será o maior e mais diverso conclave da história recente. Em 1978, quando João Paulo 2º foi eleito, participaram 111 cardeais de 48 países. Hoje, são 133 de 71 nações. O salto não é apenas numérico. Ele reflete a reconfiguração do catolicismo global promovida por Francisco, que expandiu o colégio cardinalício para incluir vozes vindas das periferias e de contextos até então pouco representados. O efeito é direto: mais diversidade, mais complexidade nas alianças e maior imprevisibilidade no voto.

É nesse cenário que emerge um dado inédito: a barreira linguística. Pela primeira vez na história moderna, a maioria dos eleitores não domina o italiano, até então língua tácita dos debates e das articulações de bastidores. A ausência de um idioma comum reorganiza o jogo. Em lugar das tradicionais articulações curiais, ganham espaço blocos formados por afinidades regionais, culturais e teológicas. Um conclave multilíngue é também um conclave mais disperso. E, por isso mesmo, mais imprevisível.

Essa alteração linguística é indício de uma mudança maior. O centro de gravidade do catolicismo se deslocou. Hoje, metade dos cardeais votantes vem de fora da Europa. O efeito é duplo: se por um lado a pluralidade cultural amplia as possibilidades de escolha, por outro ela torna mais difícil a construção de consensos. A Igreja, como corpo global, busca um novo eixo de unidade.

A exéquia do papa Francisco, presidida pelo cardeal Giovanni Battista Re, foi também um palco de sinais. O tom da homilia foi pastoral, quase programático. Re insistiu na figura do “pastor que apascenta as ovelhas” e na urgência de construir pontes, não muros. Não se tratou apenas de homenagear o pontífice falecido, mas de oferecer uma bússola para o futuro imediato. Num momento em que polarizações internas ameaçam paralisar o corpo eclesial, a metáfora da ponte é mais do que uma evocação poética: é um critério eleitoral.

O desafio, porém, não é apenas simbólico. O legado de Francisco é ambivalente. Seu pontificado reconfigurou o horizonte pastoral da Igreja, abrindo espaço para os marginalizados, priorizando a misericórdia sobre a doutrina e tensionando estruturas rígidas. Mas a reação veio com força. Divisões internas se aprofundaram, e os opositores de Francisco hoje atuam com mais coesão e visibilidade do que no início de seu governo.

É nesse contexto que o novo papa será escolhido. Caberá a ele enfrentar a tarefa delicada de recompor o corpo eclesial sem desfazer a agenda de abertura que marcou a última década. Mais do que uma disputa entre alas, o que se esboça é uma tentativa de composição. O tempo ganho até o início do conclave talvez seja o único recurso para evitar que a eleição reflita, de forma irreconciliável, as fraturas que o novo pontífice precisará administrar.

noticia por : UOL

terça-feira, 29, abril , 2025 10:13
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