Os alabês de importantes terreiros baianos subirão neste domingo (4) no palco do Cine Teatro Solar Boa Vista, em Salvador, para fazer ecoar o som dos atabaques em concerto da Osba (Orquestra Sinfônica da Bahia).
O encontro celebra os 100 anos da ialorixá Mãe Stella de Oxóssi (1925-2018), que comandou o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá por mais de quatro décadas e foi uma das mais influentes líderes do candomblé na Bahia. Ela completaria 100 anos nesta sexta-feira (2).
O centenário será marcado por uma extensa programação de homenagens que incluem concerto, seminário e o lançamento do Instituto Mãe Stella de Oxóssi.
Nascida em Salvador em 1925, Mãe Stella foi a quinta ialorixá do Ilê Axé Opó Afonjá, fundado em 1910 pela Mãe Aninha. Assumiu o posto em 1976 como sucessora de Mãe Ondina e se notabilizou como referência na luta contra a intolerância religiosa e o racismo.
Como ialorixá, seguiu o legado das antecessoras no Ilê Axé Opô Afonjá e foi uma defensora da educação. Em 1978, fundou a escola Eugênia Ana dos Santos, única no país a funcionar dentro de um terreiro de candomblé e que atualmente faz parte da rede municipal de ensino de Salvador.
A escola se notabilizou como referência no ensino da história e cultura afro-brasileira, antes mesmo da lei federal de 2003 que tornou obrigatória a inclusão do tema na matriz curricular de escolas públicas e privadas.
“A questão da educação era a premissa dela. Ela conseguiu formar muita gente com projetos dessa natureza dentro do Opô Afonjá. E a arte, a cultura, a música sempre fizeram parte desse cenário”, afirma Adriano Azevedo, sobrinho da líder religiosa que presidirá o Instituto Mãe Stella de Oxóssi.
Mãe Stella era enfermeira de formação, mas ganhou destaque como pesquisadora e escritora, com seis livros publicados. Foi articulista do jornal “A Tarde“, se tornando a primeira líder do candomblé a ser colaboradora fixa de um jornal de grande circulação.
Em 2013, foi eleita para ALB (Academia de Letras da Bahia), onde ocupou a cadeira 33, que tem como patrono o poeta e abolicionista baiano Castro Alves. Também recebeu o título de Doutor Honoris Causa da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e da Uneb (Universidade do Estado da Bahia).
“Mão Stella era uma mulher muito polida, de uma inteligência aguda e um senso de humor peculiar. Ela não fez uma literatura de candomblé, mas traduziu o pensamento do candomblé em uma linguagem para todos”, resume a jornalista Cleidiana Ramos, doutora em antropologia pela UFBA.
No campo da religiosidade, a trajetória de Mãe Stella foi marcada pela defesa do candomblé como religião e por críticas ao sincretismo que o associa aos santos católicos. Ganhou notoriedade em 1983 ao lançar um manifesto em defesa da religião, tendo obtido o endosso de outras ialorixás de terreiros tradicionais.
O Ilê Axé Opô Afonjá se consolidou como um dos terreiros de candomblé mais tradicionais da Bahia, tendo sido frequentado por baianos ilustres como Jorge Amado e Dorival Caymmi, além do artista plástico argentino Carybé e do fotógrafo francês Pierre Verger, radicados no estado.
Mãe Stella morreu em 2018, aos 93 anos, após um quadro de infecção urinária e insuficiência renal. No ano seguinte, Ana Verônica Bispo dos Santos, a Mãe Ana de Xangô, foi escolhida a nova líder religiosa do Ilê Axé Opô Afonjá.
O Instituto Mãe Stella de Oxóssi será lançado nesta sexta-feira (2) na Academia de Letras da Bahia. A entidade terá sede no bairro do Comércio e vai atuar na preservação do legado da religiosa e no apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade social, com a promoção de seminários, palestras, além de aulas de música, dança e percussão.
No sábado (3), a partir das 10h, o seminário “Cartas para Mãe Stella” terá mesas de diálogo, partilhas de saberes e uma apresentação do duo “Letra e Canção”. O evento será no Forte da Capoeira, no Largo do Santo Antônio Além do Carmo.
O concerto da Osba (Orquestra Sinfônica da Bahia) em homenagem à ialorixá será realizado neste domingo (4), a partir das 18h, no Cine Teatro Solar Boa Vista.
O espetáculo mescla obras de compositores baianos da música de concerto com cantos litúrgicos do candomblé interpretados pela orquestra e pelos atabaques dos terreiros.
“O encontro com os alabês [ogãs responsáveis pelos toques rituais] é uma das partes mais emocionantes desse concerto. O som deles vai dialogar com a orquestra, não como um enfeite, mas como uma voz tão protagonista quanto”, afirma o maestro Carlos Prazeres, regente da Osba.
Serão interpretadas peças de autores como Paulo Costa Lima, Damião Barbosa de Araújo (1778–1856), Lindembergue Cardoso (1939–1989) e Domingos da Rocha Mussurunga (1807–1856). A apresentação será encerrada com uma versão sinfônica de “O Ouro e a Madeira”, do sambista baiano Ederaldo Gentil (1947–2012), música preferida de Mãe Stella.
Intitulado “Odé Nfè” (Oxóssi deseja, em iorubá), o concerto foi idealizado pela produtora cultural Iasnaia Lima e pela escritora Cléo Agbeni Martins, filha de santo da líder religiosa.
noticia por : UOL