Lucía Topolansky, a mulher que foi 'muito mais do que uma companheira' para José Mujica


A ex-guerrilheira conheceu Mujica na clandestinidade e viveu ao seu lado durante décadas, até seu último dia Lucía Topolansky esteve ao lado do marido, José Mujica, até seu último dia de vida.
AFP via BBC
Ultimamente, José Mujica se emocionava ao falar de sua esposa, Lucía Topolansky, que conheceu nos tempos da clandestinidade e seguiu ao seu lado até a morte, nesta terça-feira (13/05), aos 89 anos.
“Lucía é muito mais do que uma companheira”, disse o ex-presidente uruguaio em uma entrevista para a BBC Mundo — serviço em espanhol da BBC — em novembro.
Ele se referia ao amor e ao cuidado que Lucía lhe dedicou por décadas, sobretudo quando foi diagnosticado com um câncer de esôfago, há pouco mais de um ano, doença que se espalhou pelo corpo.
✅ Clique aqui para seguir o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp
Um amor que ela continuou lhe dando até seus últimos dias: “Estou há mais de 40 anos com ele e vou estar até o fim, foi isso que prometi”, declarou dias antes da morte de seu companheiro.
Lucía nunca alcançou a fama internacional de Mujica, mas sua trajetória pessoal e alguns momentos marcantes que viveu junto ao marido têm contornos surpreendentes.
‘Atmosfera de perigo’
Filha de um engenheiro civil e empresário da área de construção, Lucía Topolansky nasceu há 80 anos em uma família com boa condição econômica e estudou em um colégio de freiras dominicanas.
Sua opção pela luta armada no fim da década de 60, que a fez abandonar os estudos de arquitetura e o movimento estudantil, surpreendeu seus familiares.
Mas ela não foi a única: sua irmã gêmea, María Elia, também integrou o Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros (MLN-T).
Nessa guerrilha urbana de esquerda, influenciada pela Revolução Cubana e pelo marxismo, Lucía participou de diferentes ações usando o nome falso “Ana”.
Foi durante os tempos da clandestinidade que conheceu Mujica — que era nove anos mais velho do que ela e ocupava cargos de direção no MLN-T.
Lucía cresceu em uma família com boas condições econômicas e recebeu educação religiosa.
Getty Images via BBC
Mujica contou que o primeiro encontro entre eles aconteceu em setembro de 1971, na noite em que ele escapou da prisão de Punta Carretas, em Montevidéu, por um túnel, com outros 105 tupamaros — uma das maiores fugas da história do sistema penitenciário uruguaio.
“Ela estava com as pessoas que davam apoio do lado de fora. Tinham ocupado uma das casas por onde nós saímos do subsolo depois de cavar um túnel para fugir da prisão”, lembrou. “A vi quase por acaso, e seguimos a vida. Era muito bonita e jovem.”
Lucía também tinha sido presa e escapado da prisão naquele ano, fugindo pelos esgotos da cidade com outras 37 presas. Chegou a fazer uma cirurgia para mudar parte do rosto e não ser recapturada.
Em 1972, Mujica foi preso novamente, mas conseguiu fugir mais uma vez da prisão. Foi naquele ano que começou sua relação amorosa com Lucía.
“Nos encontramos uma noite em que estávamos sendo perseguidos”, disse Mujica em entrevista à BBC em abril de 2023.
“O ser humano, embora não saiba, quando vive uma atmosfera de perigo onde está em jogo cada passo da liberdade e da vida, se apega ao amor porque a natureza biológica nos impõe isso.”
Lucía Topolansky era senadora e deu posse a Mujica quando ele se tornou presidente em 2010.
AFP via BBC
Em uma entrevista de anos atrás, Lucía reconheceu que os detalhes daquele primeiro encontro eram difíceis de lembrar por uma razão: “Parecia bastante com aqueles relatos de guerra, em que as relações humanas acontecem dentro de um contexto distorcido porque você está correndo, pode ser preso, podem te matar. Então não tem os parâmetros de uma vida normal.”
Tanto Mujica quanto Lucía foram detidos novamente em 1972, um ano antes do golpe de Estado conduzido pelos militares. Permaneceram presos, foram torturados e viveram períodos de isolamento até 1985, ano em que o Uruguai voltou à democracia.
“Tivemos que viver em condições absolutamente adversas”, disse Anahit Aharonian, uma militante tupamara que esteve presa com Lucía, durante uma conversa com a BBC Mundo em 2015.
Ela lembrou que, em 1980, as irmãs Topolansky lhe bordaram, em segredo, um tapete com a palavra “Liberdade” escrita em armênio, o idioma dos pais de Aharonian, que ela ficou proibida de usar na prisão.
Conseguiram tirar o tapete da prisão escondido dentro de um pacote, sem que os carcereiros descobrissem do que se tratava.
‘Sistemática como as abelhas’
Multidão se despede de Pepe Mujica; corpo de ex-presidente é velado no Palácio Legislativo
Mujica e Lucía Topolansky se reencontraram em março de 1985, quando recuperaram a liberdade por meio de uma anistia, e seguiram juntos desde então.
“No dia seguinte, já começamos a procurar um lugar para juntar todos os companheiros e nos organizarmos. Era hora de voltar à militância”, relembrou Lucía em uma entrevista há cerca de um ano.
“Não perdemos um minuto. E não paramos, porque, na realidade, essa é a nossa vocação. Esse é o sentido da nossa vida.”
O casal se mudou para uma casa modesta em uma chácara de Rincón del Cerro, na zona rural de Montevidéu, onde plantaram e onde o ex-presidente morreu na terça-feira.
Eles só se casaram oficialmente em 2005, em uma cerimônia íntima, quando Mujica já era uma figura cada vez mais popular no país, embora poucos suspeitassem que ele chegaria a ser presidente. E nessa mesma noite, foram a um comício político.
“Unimos duas utopias: a utopia do amor e a utopia da militância”, disse Lucía, anos atrás, a um documentarista.
Ao que tudo indica, ela soube do próprio casamento quando Mujica compartilhou a notícia em uma entrevista na televisão: “Ele disse ao jornalista que íamos nos casar. Eu estava vendo o programa e fiquei sabendo”, contou em uma entrevista em 2024.
“Na realidade, só de velha que fui ceder”, acrescentou, rindo, sobre o fato de terem vivido por 20 anos sem oficializar a união.
Nunca tiveram filhos, algo que explicam pelo fato de terem dado prioridade à guerrilha na juventude. Em vez disso, acolheram algumas famílias em sua chácara e tiveram vários cachorros, incluindo Manuela, que ficou conhecida como a mascote favorita de Mujica.
Mujica e a esposa viveram juntos desde que foram soltos da prisão, em 1985.
AFP via BBC
A militância política continuou sendo o norte da vida dos dois, que fundaram o Movimento de Participação Popular e ajudaram a transformá-lo no maior grupo da coalização de esquerda Frente Ampla.
Foi a própria Lucía que, como senadora mais votada, deu posse a Mujica quando ele assumiu a presidência em 2010, em um ato cheio de simbolismo dentro do Palácio Legislativo.
Depois, o abraçou com seu braço direito e beijou sua bochecha, sorrindo.
Lucía sobreviveu a um câncer de mama e, após o fim do mandato de Mujica, em 2015, foi candidata à prefeitura de Montevidéu, mas não conseguiu ser eleita.
Em 2017, assumiu a vice-presidência do Uruguai após a renúncia de quem ocupava o cargo devido ao uso indevido de recursos públicos, e chegou a ocupar temporariamente a presidência quando o então presidente Tabaré Vazquez viajou ao exterior.
Muitos a consideram menos pragmática, do ponto de vista ideológico, que seu marido, que evitava essa comparação e dizia que, na verdade, eram políticos diferentes.
“Sim, talvez não tenha o carisma que eu tenho. Isso é provável”, admitiu Mujica em uma entrevista.
“Agora, ela é sistemática como as abelhas. Uma dessas trabalhadoras infernais. Não dessas que fazem um feito histórico, mas dessas que levantam paredes.”
Mujica dizia isso com a mesma admiração que expressou por Lucía até o fim da relação, contrastando a paixão que se supõe em uma relação amorosa na juventude com a “doce rotina” que ela representa na velhice, para evitar a solidão.
“Tenho consciência de que boa parte da minha vida, hoje, eu devo a ela”, disse o ex-presidente do Uruguai em sua última entrevista à BBC Mundo.
source
Fonte: G1

quinta-feira, 15, maio , 2025 12:51
Mais previsões: Tempo 25 dias