Usuários dizem que cracolândia foi dispersada com violência

Tomás Santos Francisco, 35, traz as marcas no corpo da violência que diz ter sofrido nas mãos de guardas-civis metropolitanos no centro de São Paulo. São hematomas que ele atribui a balas de borracha. Do lado dele, um amigo está com o braço direito quebrado, o que também atribui às abordagens violentas no território conhecido como cracolândia.

Ele conta que faz parte de um grupo retirado das proximidades da rua dos Protestantes na quinta-feira da semana passada. “Eles chegaram agredindo e jogaram na parte de trás das viaturas. Falavam que iam matar a gente”, conta. O amigo preferiu não comentar e permaneceu ao lado de Tomás, apenas concordando com a história que ele contava.

Tomás diz que vive de vender roupas para quem circula no fluxo, como é chamada a aglomeração de usuários de drogas. Afirma ter chegado à cracolândia quando tinha 16 anos e, desde então, vive na região. “Os outros usuários estão espalhados, principalmente aqui pelo centro”, afirma. Ele cita alguns pontos já mencionados pela Folha em reportagens anteriores, como o Glicério, o Parque Dom Pedro e embaixo da praça Roosevelt.

Outro frequentador, conhecido como Jogador, diz que os grupos saíram gradativamente da área confinada para retornar às ruas. Os motivos, segundo ele, são o monitoramento por câmeras na área destinada ao fluxo e também a violência policial nas imediações. A apreensão de objetos pessoais e as agressões na entrada e na saída são constantes, segundo seu relato.

Procurada sobre a ação dos agentes, a prefeitura afirma que a Guarda Civil Metropolitana segue protocolos técnicos e é pautada pelo respeito à dignidade das pessoas. “A gestão ressalta que repudia veementemente desvio de conduta e, se constatada alguma situação desta natureza, o caso será imediatamente apurado”, afirma a gestão Ricardo Nunes (MDB).

Já a Secretaria da Segurança Pública, do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirma que “as forças de segurança do estado são instituições legalistas, que não toleram excessos ou desvios de conduta. Qualquer denúncia de abuso por parte dos agentes de segurança do estado é rigorosamente investigada pelas corregedorias das instituições”.

Profissional da ONG É de Lei, Cleiton Ferreira convive há oito anos na cracolândia. “Três anos como atendido e cinco anos como agente redutor de danos”, explica. Ele afirma que o que aconteceu foi um novo espalhamento dos grupos, como já foi feito outras vezes pelos governos estadual e municipal.

Os agentes de tratamento dos usuários se reuniram nesta sexta-feira (16) no terreno da rua dos Protestantes. Junto com representantes do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, deputados estaduais e vereadores, eles buscavam explicações oficiais sobre o que foi feito com os frequentadores do fluxo.

Os manifestantes afirmaram ter perdido o contato com muitas pessoas com quem conviviam e que não conseguiram conversar também com as famílias dessas pessoas. Entre os desaparecidos, dizem que há quem fazia tratamento médico que necessita de medicação continuada.

Apontam que, mesmo longe de uma situação ideal, no território as pessoas contavam pelo menos com a presença de agentes de saúde e assistentes sociais para manter o tratamento. Eles apresentaram para a Folha diversos vídeos em que usuários narravam terem sido agredidos com socos e chutes por policiais e guardas nos últimos dias.

O local onde foi feito o encontro estava cercado por guardas e PMs a pé e em viaturas. Os organizadores disseram que o cercamento inclusive dificultou para que outros usuários também fossem ao local para contar o que aconteceu com eles nos últimos dias.

A manifestação também enfrentou um protesto de moradores do bairro, que defendiam a retirada do fluxo. “Nós não somos contra os usuários, apenas achamos que a solução não é manter eles na rua”, diz o aposentado Iézio Silva, 65, da Associação Pró-Campos Elíseos Melhor. Ele diz que acompanha o movimento da cracolândia desde 2002.

Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo informou que está apurando o que que aconteceu com os usuários para tomar medidas cabíveis. A Ouvidoria da Polícia afirma que não recebeu nenhuma demanda sobre a violência policial contra os usuários.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que o centro da cidade, em especial as cenas abertas de uso, é prioridade da atual gestão. Diz que a atuação é “multisecretarial, em conjunto com a prefeitura, para combater a criminalidade, principalmente o tráfico de drogas, requalificar vias, e oferecer apoio aos dependentes químicos”.

A prefeitura reafirma que tem feito desde 2021 um trabalho contínuo para oferecer tratamento em saúde e atendimento social às pessoas em situação de vulnerabilidade, além de segurança à população em geral com o combate ao tráfico de drogas.

“Entre janeiro e março de 2025, foram registrados pelas equipes 7.525 encaminhamentos para serviços e equipamentos municipais, um aumento de 20% em relação ao mesmo período de 2024 (6.277 encaminhamentos).”

noticia por : UOL

sábado, 17, maio , 2025 02:24
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