“Recontarei isso com um suspiro,
Em algum lugar, muito tempo atrás,
Havia uma bifurcação no caminho
E eu… eu tomei a estrada menos batida
E isso fez toda a diferença.”
Essa é a estrofe final do poema “A estrada não trilhada” (The road not taken), de Robert Frost.
Desde jovem me encanto com o sentido, a beleza e a concisão do poema. Voltei a lembrá-lo hoje, ao pensar na situação do Brasil diante do desafio do aquecimento global. Também diante de nós se abriu uma bifurcação —e o caminho que escolhermos poderá fazer toda a diferença.
No mundo real, as opções raramente se apresentam prontas e acabadas, bastando-nos simplesmente eleger a preferida. Melhor dizendo, creio haver ao menos uma alternativa que está sempre disponível: o caminho da acomodação e da inércia.
Os demais caminhos necessitam ser construídos. Envolvem esforço, reveses, riscos e conquistas. O caminho que o Brasil pode construir, nesse contexto, é aquele em que empenhamos todos os nossos recursos para promover uma coordenação global que leve à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), como prevê o Acordo de Paris.
Para termos alguma chance de êxito nesse desafio, necessitamos alinhar nossas ações ao nosso discurso —”walk the talk”, na feliz expressão em inglês. No caso, isso implica primordialmente reduzir a zero o desmatamento na amazônia e renunciar a projetos incompatíveis com o combate ao aquecimento, como a exploração de petróleo na região.
Uma medida que pode ter grande efeito na redução do desmatamento seria a destinação integral dos 56 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas. Essas terras pertencentes aos governos federal e estaduais da amazônia têm sido o principal foco de grilagem, que traz consigo o desmatamento ilegal e facilita o crime organizado, impedindo na prática o desenvolvimento econômico saudável da região.
O anúncio de sua destinação para atividades que preservem a natureza, como unidades de conservação e outras áreas protegidas —através de uma ação combinada do governo federal e estados ainda neste ano—, seria uma poderosa demonstração de compromisso com o combate ao desmatamento e contribuiria decisivamente para o êxito da COP30.
Iniciativas como essa, por necessárias que sejam, estão longe de ser suficientes para alcançar o entendimento global. Restará ainda a difícil tarefa de —combinando forças com os agentes mais progressistas, como a União Europeia— atrair para o acordo as nações mais recalcitrantes, como os EUA e a Rússia.
Sempre haverá vozes defendendo a passividade, voltadas para os benefícios de curto prazo e dispostas a “pegar carona” no esforço de terceiros, caso estes sejam bem-sucedidos. Os partidários dessa estratégia poderão até socorrer-se de citações eruditas, como a de Sêneca —”O destino conduz aos que o aceitam e arrasta os que a ele resistem”—, ou a máximas da sabedoria popular, como a de origem judaica —”O homem planeja e Deus ri”—, para desencorajar a luta contra as forças estabelecidas.
O caminho da inércia implica, para o Brasil, abster-se da responsabilidade de desempenhar um papel destacado na construção de uma ordem global que reduza a zero as emissões de GEE e limite o aquecimento a 1,5ºC ou 2ºC acima dos níveis pré-industriais.
O aumento das emissões, ano após ano, evidencia como o mundo tem falhado clamorosamente na busca desse objetivo. Os países localizados na região tropical, como o nosso, serão os mais atingidos pelas consequências desse fracasso. Tivemos em 2024 uma amostra “leve” do que esse caminho nos reserva: inundações, secas e incêndios.
Eventos como esses exigirão que concentremos investimentos em medidas de adaptação à nova realidade: obras contra enchentes, relocalização de populações ameaçadas, detecção e prevenção de incêndios, além de lidar com a queda de produtividade agrícola provocada por alterações no regime de chuvas.
Todos esses investimentos, embora indispensáveis, são apenas defensivos; destinados a prevenir perdas, mas incapazes de gerar riqueza.
Já o cenário em que logramos participar ativamente de um acordo global que valorize tecnologias limpas e crie mercados que recompensem processos de baixas emissões e de captura de carbono abre ao Brasil oportunidades extraordinárias, entre as quais:
- o aproveitamento da matriz energética limpa e do enorme potencial de energia solar e eólica, para atrair ao país indústrias intensivas em energia;
- a combinação da energia limpa com processos orgânicos, como a fermentação da cana-de-açúcar, para produzir combustíveis como o e-metanol, melhor alternativa limpa para a navegação comercial;
- os biocombustíveis, solução energética que compete com grande vantagem contra alternativas fósseis, em uma economia de baixo carbono;
- a diferenciação da agricultura tropical, através de medições que comprovem sua eficiência muito superior à das zonas temperadas, no que respeita às emissões, e;
- a captura de GEE através da preservação de florestas e da restauração de áreas degradadas.
Todas essas alternativas já estão disponíveis. O que falta é uma ordem global que imponha a redução de emissões e crie os mercados que as valorizem adequadamente.
O contraste entre o caminho da passividade e o de uma liderança ativa na construção de uma nova ordem mundial rumo ao “Net Zero” corresponde à diferença entre sofrer a própria sina e ser agente do seu destino.
A COP30, em Belém, oferece ao país uma grande oportunidade de mostrar ao mundo uma nova postura, que necessita estar apoiada em ações concretas. Busco em Gilberto Gil a frase que melhor expressa a atitude determinada que se espera do Brasil: “Meu caminho pelo mundo, eu mesmo traço”.
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noticia por : UOL