Amazônia sobreviveria à crise do clima, mas com menos árvores

Há tempos atormenta pesquisadores o cenário de uma floresta amazônica definhando até tornar-se mais parecida com o cerrado, a temida savanização. A redução de chuvas na região com o aquecimento global talvez não chegue a tanto, sugere novo estudo, mas nem por isso ele se afigura menos alarmante.

Pablo Sanchez Martinez, da Universidade de Edimburgo, e vários colaboradores —incluindo brasileiros da UFPA e do Museu Goeldi— deram a notícia mais ou menos boa no periódico Nature Ecology & Evolution. Sua ressalva: a floresta pode perder mais de um terço da biomassa contida nas árvores, lançando mais carbono na atmosfera e, assim, realimentando a crise do clima.

Eles chegaram à conclusão repetindo experimento dos anos 1990, o Seca-Floresta, arquitetado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma ONG de pesquisa. Em 2002, o pessoal de Edimburgo cobriu um hectare (10 mil m2) do chão da mata com painéis de plástico, entre 1 m e 2 m do solo, para simular uma estiagem grave, e acompanhou o efeito da falta de chuva na vegetação.

Deu ruim: as maiores árvores do terreno começaram a morrer, como haviam constatado os pesquisadores do Ipam, mortalidade que se prolongou pelos primeiros 15 anos do experimento. A partir daí a floresta se estabilizou, e até aumentou um pouco a água disponível para as que sobraram vivas.

Mesmo perdendo um terço do carbono estocado em madeira, raízes e folhas, a biomassa restante ainda se mostrou maior do que a normalmente contida num hectare de cerrado. Ou seja, em princípio o aquecimento global em curso não transformaria a amazônia numa imensa savana, o cenário mais dantesco.

Contenha o suspiro de alívio, porém. A notícia ainda é muito preocupante, porque a maior floresta tropical do mundo deixaria de ser um sorvedouro de carbono para se tornar uma fonte de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2) resultante do apodrecimento ou da queima da vegetação. É o que convencionou chamar de feedback positivo: mais combustível para a fornalha do clima.

E pode ser ainda pior. Os próprios autores do artigo na Nature Ecology & Evolution destacam que só testaram o impacto da redução da umidade no solo. Não consideraram outros efeitos possíveis do aquecimento global, como diminuição da umidade do ar, ventos e tempestades mais fortes ou incêndios florestais, fatores de estresse que ajudariam a empurrar o bioma ladeira abaixo.

É crucial levar em conta que mais de um terço da chuva que cai sobre a amazônia é produzida pela própria floresta. Ela resulta da evapotranspiração, moléculas de água que as folhas liberam de volta para a atmosfera, fazendo da mata com mais de 6 milhões de km² (4 milhões de km² no Brasil) uma monumental bomba hidráulica do clima planetário. Se ela entrar em pane, aí sim estaremos fritos

Se essa monumental bomba hidráulica do clima planetário entrar em pane, aí sim estaremos fritos. A maior floresta tropical do mundo poderia adentrar um ciclo vicioso de secura sob o duplo golpe do desmatamento e do aquecimento, que por sua vez seria turbinado pelo carbono emitido na mortalidade das árvores.

Seria, decerto, um cataclismo em câmera lenta, ao longo de décadas e séculos. Incapaz, contudo, de apagar nossas digitais da cena do crime capital contra a natureza e os nossos descendentes.


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noticia por : UOL

domingo, 18, maio , 2025 02:31
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