Mortes: Viveu a fome na infância e dedicou seus últimos anos de vida a combatê-la

Quando a pandemia de Covid chegou ao Brasil, Maria Paulina Avelino precisou fechar as portas do restaurante que tinha recém-aberto. Isolada em casa e desesperada, começou a rezar e pedir que Deus a ajudasse a encontrar uma solução.

“Eu estava sentada no meu quarto, desesperada, chorando. Eu pensava ‘Deus eu vou cair, mas preciso cair de pé’. Foi nesse momento que ouvi uma voz me dizer ‘faz pão, mulher'”, contou Maria Paulina, em uma entrevista ao podcast À Deriva.

Sem nunca ter feito pão na vida, ela foi até a cozinha de casa, fez 200 pães e decidiu distribuí-los para famílias carentes da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, onde morou toda a vida. “Eu entendi que a fome iria apertar e aquelas pessoas iriam precisar de ajuda.”

No dia seguinte, já havia mais de 50 pessoas em frente à sua casa em busca dos pãezinhos que ela produzia com o próprio dinheiro. Sem saber por quanto tempo teria recursos para continuar, a solução veio do neto Thalys, na época com oito anos.

O menino filmou a avó batendo a massa de pão e pediu para que ela explicasse o processo para quem faria as doações. Com a ajuda do irmão mais velho, Mayan, que tinha 12 anos, ele postou o vídeo nas redes sociais. Em poucos dias, a porta da casa da vovó Tutu, como era conhecida, tinha outra fila. Desta vez, de pessoas querendo doar alimentos para ajudá-la a produzir os pães.

A preocupação de vovó Tutu em garantir que os vizinhos teriam algo para comer vinha da própria experiência. Ela conheceu a fome ainda na infância. Para ter o que comer, sua mãe a levava nos fundos de mercados, onde reviravam os tambores de alimentos descartados em busca de algo que ainda pudesse ser aproveitado.

“Eu tinha uns 6 ou 7 anos, e minha mãe me levava porque eu era magrinha, mas muito ágil. A gente colocava tudo o que recolhia num saco de estopa, depois levava para casa e via o que prestava para comer”, contou na entrevista.

Não foi só a fome que marcou a infância. Com um pai instável e violento, ela saiu de casa aos oito anos para estudar como interna em um colégio de freiras, a Casa da Divina Providência Madre Teresa Michel, na Mooca, zona leste de São Paulo. “Para salvar minha infância e me proteger do meu pai, minha mãe teve que abrir mão de me ter dentro de casa.”

Ao sair do colégio, aos 13 anos, trabalhou como babá e empregada doméstica até conseguir um emprego no Hospital das Clínicas, onde trabalhou no departamento de limpeza. Para complementar a renda, já que criou sozinha os seis filhos, fazia marmitas para vender aos médicos e funcionários.

Lá a fome também a comoveu. Cansada de ver mães sem ter o que comer enquanto acompanhavam os filhos internados, começou a doar marmitas para essas mulheres.

Foi no hospital que ela conheceu e decidiu adotar sua primeira filha, Lurdes, à época com 17 anos. No hospital, Tutu adotou quatro filhos, além dos seus seis biológicos.

Tutu viveu a vida toda na Brasilândia, onde, nos últimos anos de vida, dedicou-se a aplacar a fome e pobreza. O vídeo gravado pelos netos teve tanta repercussão que as doações se multiplicaram, e ela passou a produzir mais de mil pães por dia para atender cerca de 130 famílias.

Ela ficou conhecida por famosos, participou de programas de televisão e decidiu criar o Instituto Vovó Tutu, onde passou a oferecer cursos de panificação e confeitaria para que outras mulheres do bairro tivessem chance de gerar renda.

Mesmo com problemas de saúde, enfrentando dores e até mesmo um derrame, Tutu não abandonou sua missão. “A minha história é a mesma daquelas pessoas que estão na fila do pão”, dizia.

Vovó Tutu morreu na manhã desta terça-feira (3) após sofrer um infarto. Ela deixa os dez filhos, 26 netos, 11 bisnetos e sua luta incansável contra a fome.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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noticia por : UOL

sexta-feira, 6, junho , 2025 05:05
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