“Posso fazer uma brincadeira?”: Bolsonaro não aprende mesmo

“Posso fazer uma brincadeira?”, pergunta Jair Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes durante a fase de interrogatórios da Ação Penal 2668. O ex-presidente ri. Há um quê de deboche nos seus gestos. Não sei, sinceramente não sei se é um cacoete de autodefesa, se Bolsonaro é admiravelmente brincalhão assim mesmo, ou se ele não tem ideia da gravidade da situação em que ele se encontra. Não entendo mais nada.

“Eu perguntaria aos seus advogados”, responde Alexandre de Moraes. A plateia ri. Vale notar os trejeitos do ministro, que se aproxima do microfone para falar com um olhar cheio de malícia. Ele traz um sorriso canastrão no rosto, como se não percebesse que as risadas naquele lugar e hora impróprios ressaltam o caráter farsesco do julgamento. Ou talvez perceba. É, é. Provavelmente ele percebe, sabe muito bem, e não está nem aí.

Vice em 26

“Eu gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 26”, diz Bolsonaro. Essa era a brincadeira. A piada. Então tá. Não ri nem nada, mas tem gente dizendo que foi jogada de mestre, que foi uma forma de incutir no inconsciente coletivo a ideia de que ele, Bolsonaro, será de fato candidato à Presidência em 2026. Pode ser. Mas acho que perdi a capacidade de enxergar maestria nisso.

“Eu declino novamente”, diz o ministro. Fico atento a Alexandre de Moraes. Cada gesto. Seu rosto se contorce numa careta estranha. Está constrangido? Ele pega o copo d´água. Olha o para o lado. Todos riem e não duvido que você tenha rido ou esteja rindo até agora. Mas é um riso de nervoso. Bolsonaro disse mesmo isso? Alexandre de Moraes respondeu mesmo aquilo? Isso tudo está mesmo acontecendo? Está.

Lado bom

Foi uma cena patética, no sentido original da palavra. Algo que desperta a nossa piedade. Em outras palavras, deu pena. Foi uma cena triste, de um ex-presidente outrora conhecido pelo, digamos, entusiasmo com que liderava uma “revolução conservadora” no Brasil, e que hoje pergunta ao seu algoz se pode brincar com ele. Bolsonaro que chegou a levar a Avenida Paulista ao delírio com o grito de “Pede pra sair, seu canalha!”. Endereçado, claro, a Alexandre de Moraes.

Um ex-presidente tornado réu num teatro sem graça. E que brinca. Brinca com as eleições de 2026, com sua própria inelegibilidade, com a possibilidade muito real de ser preso, com o processo político de formação de uma chapa presidencial e com a esperança de muita gente. Mas não quero, aqui, parecer mais chato do que já sou. Há um lado bom nessa piada permitida: o fato de, no Brasil, ninguém levar nada muito a sério.

Fanfarrões

Somos um país de fantarrões. Talvez essa seja nossa maior qualidade. Tanto que há quem diga que no Brasil regimes rígidos como o comunismo, o fascismo e o alexandrismo jamais darão certo. Não por muito tempo. Porque rimos das nossas desgraças, das nossas fraquezas. Nossos métodos são ridículos e todo esse clamor por ordem e autoritarismo vira zombaria assim, ó: rapidinho.

Diante de um pelotão de fuzilamento, somos como o português da piada. Aquele que, entre dois prisioneiros e esperando a sua vez de morrer, só observa. O prisioneiro à sua esquerda grita “Terremoto!”. O pelotão se dispersa e o prisioneiro foge. O prisioneiro à sua direita grita “Tornado!”. O pelotão se dispensa, o prisioneiro foge. Aí o português, entendendo a lógica da coisa, não hesita e grita: “Fogo!”.

Que. Coisa. Triste

Mas que é triste, lá isso é. Porque na atual conjuntura há coisas que não devem mesmo ser levadas a sério, como esse julgamento farsesco aí. Mas há coisas que devem ser levadas a sério, sim. Temos presos políticos, lembra, Bolsonaro? Temos exilados. Temos pessoas com contas bancárias e perfis nas redes sociais bloqueados. Temos perseguição. Temos censura, temos medo.

Temos todas essas coisas dignas de uma ditadura. Mas parece que Bolsonaro não aprendeu nada com as consequências da famosa frase “Não sou coveiro”, dita durante a pandemia. E, se não aprendeu, é porque para Bolsonaro é mais importância manter a aparência de Mito do que ter noção do próprio papel político e histórico. Uma pena. É o que sinto de um país cujo povo trabalhador e honesto deposita suas esperanças em alguém incapaz de aprender com os próprios erros.

noticia por : Gazeta do Povo

sábado, 14, junho , 2025 12:46
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